arranha-céus
autor: Manuel Luís Cochofel exposição individual

arranha-céus

Concerto para Arranha-céus

Dissipações na bruma da tarde: a cidade me enerva ante a selva monolítica. Uma geografia sinistra nesse ambiente retórico de fumaças. Fuliginosa é a manhã que em vão aguardo. E mais que estuprar os tímpanos, um concerto de vozes metálicas e ruídos cambiantes se sucedem inconscientes. É uma fera enjaulada na solidão de muitos ninguéns. Os homens deliram na miséria recalcitrante de cada dia. Ruas, avenidas, becos e vielas não escapam à aquarela insólita: artérias de cinza e enxofre, canais divergentes onde fluem rios de vivos mortos que se entrechocam e não se olham. Essa longa convulsão de anonimatos, pulsações de auroras que não vingam, turismo de urubus sobre as lixeiras, gente como feras se nutrindo do inservível, poluição de semáforos e assembleia de pedintes. No abril em que me espelho, a metrópole regurgita seus fantasmas, labareda e carnificina nos rostos pressurosos dos meus pares. Somos feras intangíveis nessa coreografia de degredos.

mini-conto de Ronaldo Cagiano