:: the dinner :: setembro 2001
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Texto
Na rua, um homem aconchega a camisola à mulher e observa o tumor benigno que ela tem mesmo na base do pescoço




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Nunca soube nada, nunca quis saber nada. Vim para aqui quando chovia na cidade; olhei para o meu velho blusão de penas e senti-me como um pato cinzento. Antes de cá me haver fechado, tive a oportunidade de assistir à conversa de três cadáveres no metro:

"Acho que, antes de ter explodido abertamente, a situação já tinha causado os seus efeitos no nosso interior, ensurdecendo a esperança"

"Será um lírico sem hipóteses de cura? Muitos morreram, mais morrerão por um ideal errante"
"Vejo-vos mais preocupados com os mortos do que com os vivos"

"Isto faz parte das nossas vidas"

deixei de os ouvir neste momento. De todas as vezes em que ouço uma sirene, parte-se o cordel que me une à realidade. Desta vez não houve sirene, mas ele partiu-se na mesma.

desisti de ter a esperança de mim

às vezes julgam-me uma mulher sem coração e despiedosa e têm toda a razão. Ainda me lembro da primeira vez em que fodi um homem, foi junto a uma igreja e eu ainda tinha o cabelo um pouco alourado. Não me lembro do que senti durante o acto. Apeteceu-me ser mais ridícula do que o laço azul-escuro que ele trazia, e o que pode ser mais ridículo do que foder um homem vestido com laço azul-escuro e calções de primeira comunhão? Não me lembro do que senti, acho que não senti nada