:: the dinner :: setembro 2001
índice . <<< . 5 . >>>

 
Texto
Estou cansada. Deito-me no chão e deixo a janela aberta para limpar esta poeira estranha que flutua no ar há nove dias. De repente, julgo ver o meu reflexo a passar pelo canto do olho, mas eram só variações de luz, os faróis dos carros a tremer lá em baixo. Do fundo da rua, oiço uma música qualquer, pesada, negra. Uns passos começam a estalar nas escadas. Ouço-os com um ritmo que é uma sombra, uma inespera.

"Don Giovanni"

Espero que não sejam as mesmas duas bichas me vieram impingir a fé delas no outro dia. Espero que não sejam as mesmas velhotas que me vieram impingir a fé delas no outro dia. Espero que não seja o mesmo vendedor que me veio impingir a fé dele no outro dia.

"A cenar teco"

Ou será que me esqueci de alguma coisa? Afinal, eu já não recebo visitas há muito tempo, mas nunca me fez asco a ideia de o presente, o futuro e o passado existirem todos conjuntamente. Sim, talvez eu tenha previsto para hoje, há muitos anos atrás, uma visita. Mas quem poderá ser? Não conheço ninguém, nunca quis conhecer ninguém. Olho lá para fora e vejo alguns reclames de néon, mas eles também não servem para previsões.

"M' invitasti"

A casa está igual a como estava quando cá me fechei, naquele dia de chuva em que a cidade nada me disse. As sertãs penduradas na parede, o gato a ser gato no assento da cadeira, o chão a falar como os persas. Olhei para a janela. Estava a chover.

"E son venuto"

Ouço o trinco de casa a abrir-se e julgo ser impossível, tenho as chaves de casa no bolso das calças, ainda há pouco senti a sua picada na perna. Levo a mão ao bolso e não encontro nada; se calhar, elas nunca estiveram no meu bolso.

A porta abre-se, alguém entra e pendura um blusão no bengaleiro,


levanto-me do chão