:: the dinner :: setembro 2001
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Texto
Isto não é uma brincadeira, achas que é uma brincadeira ?, eu estou aqui, digo-te a verdade e tu ris, é idiota quem se ri com a verdade , não há nada de risível na verdade, talvez na tua, mas tu és um idiota, não contas,

já leste gatafunhos nas margens dos livros da biblioteca que diziam em desleixo "quem ler isto é burro", tu és algo assim, reflecte no teu acto de invasão, não consegues sentir o ar que se queima onde a tua pele o toca, julgas que és algo de mais, mas ainda não pensaste que algo de mais é algo em demasia e que tu podes ser ao mesmo tempo um princípio desejado ou um fim desejado, gostavas de sentir o meu gesto, mas o meu gesto nunca será teu, o que não deixa de ser triste, mas tu és principalmente triste e nada te impede de existir, olhas para mulheres nuas deitadas no chão e tiras o relógio de bolso da algibeira e dizes "é tarde" à coelho, os olhos ébrios de querer rir, depois vais procurar mais alguma coisa que possas afirmar não trair, e viver em momentos, a tua vida é um monumento feito de retalhos, com que cuidados te revês, com que preparos te cuidas, nunca sequer reflectiste que dispensares-te é a tua negação, tal como ocupares-te contigo é a tua negação, o mundo é para ti um lençol de linho a desfazer-se em fios, nunca quiseste ser agressivo porque ser agressivo é ser mau e tu não queres ser mau, nunca deste um murro em ninguém nem levaste outro a seguir, sentindo-te assim irremediavelmente uma pessoa, pois só uma pessoa causa dor que se abaterá sobre si própria, nunca quiseste que a tua condição fosse frágil como um farrapo antigo, afinal há quanto tempo andamos aqui a existir, é impossível não nos cansarmos algum dia,

memorizaste rotinas que não quiseste nunca mais deixar, andas a repetir-te há mais tempo do que aquele que existes e o tempo, se calhar, é só o queixume dos que se repetem numa penitência que lhes ocorreu escolher não sabem bem porquê, a tua vida é só a soma das tuas banalidades multiplicadas pelas de todos os outros e Deus é a maior, mais avulsa banalidade de todas, chegarás a velho e, uma noite, mesmo antes de te deitares, sentar-te-ás na borda da cama e jurarás pôr fim à tua vida, tão certo, dirás, tão certo como na noite passada jurei prossegui-la